Por Lúcia Teixeira Alvim *
Instada pela jornalista Bianca Alves a escrever um texto sobre meu avô, Agenor Teixeira da Costa, para integrar a série de depoimentos sobre pessoas ou famílias que marcaram a história da cidade, que vem publicando no Aqui PL em comemoração ao centenário de PL, fico pensando sobre os aspectos que deveria ressaltar. E nesse divagar, passo a vê-lo, alto, elegante, esguio, com seus olhos muito azuis, no “alpendre” do Casarão do Campinho, de onde controlava as atividades da fazenda e onde recebia amigos e familiares para um bate-papo ou visitantes para tratar de negócios, pois a “sala de visitas” só era usada em situações muito especiais.
Sô Agenor, como era chamado, descendia da tradicional família Teixeira da Costa de Santa Luzia. Nasceu em 1870, na antiga Fazenda do Engenho, nas proximidades da Quinta do Sumidouro, distrito de Fidalgo. Casou-se com uma sobrinha, Maria Cândida de Assis Vianna, conhecida por Dona Maroca, com quem teve nove filhos. Era chamado por ela de Tio Agenor, ou melhor, “Tingenor”. Naquela época, a reduzida mobilidade entre as cidades e mesmo entre as fazendas, tornava comuns os casamentos entre parentes. Nas paredes da “Sala de Visitas” do Campinho havia uma fotografia de um antepassado que meu avô dizia ter sido seu tio, cunhado e sogro: tio, porque era irmão de sua mãe; cunhado, porque também se casara com uma sobrinha, irmã do meu avô; e sogro, porque meu avô casou-se, por sua vez, com uma sobrinha, filha dele.
Era irmão do Senador por Santa Luzia, Manoel Teixeira da Costa Filho (Maneca Teixeira), um dos constituintes em 1.891 (primeira Constituição da República, que instituiu o presidencialismo, o federalismo, a tripartição dos poderes e a separação entre Estado e Igreja) e era também sobrinho do Visconde do Rio das Velhas (Francisco de Paula Vianna), que em 1.881 hospedou o Imperador D. Pedro II em sua fazenda, em Matozinhos. Ainda criança, meu avô foi levado por seu pai, a cavalo, da Fazenda do Engenho até Lagoa Santa, para verem o “Soberano”, que ali estava para conhecer as grutas estudadas pelo famoso arqueólogo e paleontólogo dinamarquês Peter Lund. Um cunhado seu, Antônio Ribeiro Vianna (Tonico Ribeiro) foi o guia do Imperador na visita a uma das grutas da região.¹
Enquanto seu irmão, Maneca Teixeira, enveredava pela política, meu avô continuava fazendeiro no Sumidouro. Quando seus filhos atingiram a idade escolar, mudou-se para Pedro Leopoldo, onde morou num sobrado da Rua Dr. Herbster, no qual funciona hoje a Escola Municipal Luiz de Melo Viana Sobrinho. Em seguida, adquiriu a Fazenda do Campinho e nela construiu a casa que seria a sede da fazenda, usando o madeirame que veio do desmanche da antiga Fazenda do Engenho. Sua construção, concluída em 1925 é, pois, contemporânea à criação do município de Pedro Leopoldo. Nesta casa, conhecida hoje pela população como “Casarão do Campinho”, viveu a maior parte de sua vida e faleceu em 1972, com 102 anos, ainda completamente lúcido.
Era reconhecido como um exímio caçador e teve inclusive seu nome inscrito no “Clube de Caçadores de Minas Gerais” como um dos mais autênticos caçadores do Estado de todos os tempos. Mesmo tendo sofrido uma grave lesão na mão esquerda, devido a um disparo acidental de sua arma em uma caçada, continuou caçando. Contava que caçou muito nas terras do “Curral del Rei”, onde posteriormente seria construída a cidade de Belo Horizonte. Caçou também por Goiás e percorreu caçando boa parte da região norte de Minas, conhecida como “Gerais” (Corinto, Andrequicé, Várzea da Palma, etc…), onde se hospedava nas casas de fazendeiros conhecidos ou em barracas de lona armadas com os companheiros. Caçou até depois dos 100 anos, quando ainda saía a cavalo, sozinho, pelas proximidades da fazenda.
Embora nunca tenha exercido a política como profissão, era filiado à UDN e foi eleito vice-prefeito de Pedro Leopoldo no período do pós-guerra (1946), já com 76 anos. Viu passar sob seus olhos praticamente toda a história do Brasil: conheceu de perto o sistema escravagista, o Regime Imperial, viu a Abolição, a queda do Império e a Proclamação da República, assistiu também a duas guerras mundiais e viu inclusive o pouso do homem na lua, no qual não acreditava muito, alegando que deveria ser uma filmagem feita nos EUA para enganar a humanidade.
Era um homem afável e manso. Recebia a todos com ótima disposição. A casa do Campinho vivia sempre cheia, num entra e sai constante… Os filhos casados, que construíram suas próprias casas nos terrenos da fazenda, visitavam-no diariamente. Nos períodos escolares, os netos que moravam um pouco mais distante se mudavam para a fazenda, para frequentar a escola. Nas férias, a parentalha de Belo Horizonte e Sete Lagoas invadia a casa, para desfrutar das maravilhas da natureza e do ambiente rural: muitos passeios, comida boa, muita alegria e uma legião de cavalos à disposição dos jovens, para fazermos nossos passeios pela região.
Não tínhamos horário para nada. Se não estávamos presentes na hora das refeições, ao chegar encontrávamos uma pilha de pratos feitos sobre o fogão de lenha. Havia até uma família de amigos do Rio de Janeiro que passava invariavelmente as férias de início de ano na fazenda. Bons tempos…
A fazenda não existe mais. Seus terrenos deram lugar a diversos bairros: Maria Cândida, Parque Andiara, Novo Campinho, Maria de Lourdes, Agenor Teixeira, Levy Teixeira, Bairro da Lua, Prime Residence e, mais recentemente, ao loteamento MonJardim. Mas o Casarão que era a sede da fazenda ainda está lá, como sempre, cercado por um maravilhoso arvoredo. Está sendo recuperado e revitalizado e será transformado num espaço para eventos de diversas naturezas: culturais, sociais, empresariais, entre outros.
Acredito que Sô Agenor, que muito provavelmente nos vê lá de longe, deve estar bem contente com a recuperação e nova destinação da sede da sua fazenda, que a população do município houve por bem denominar de “Casarão do Campinho”.
1 Relatado por D. Pedro II, no seu Diário de Viagens, divulgado em 1967 pelo Museu Imperial de Petrópolis e registrado pelo historiador Hélio Vianna (Publicação do jornal Estado de Minas de 27/01/1972, por ocasião da morte do Sr. Agenor)
*Lúcia Teixeira Alvim é formada em Ciências Sociais pela UFMG, especializada em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ- RJ) e concluiu o Mestrado em “Sociologia e Economia da Vida Local”, pela Université de Paris X – Nanterre – França.