José Issa e a humanidade de Chico Xavier

José Issa e a humanidade de Chico Xavier

Por Jhon Harley

Sou natural de Pedro Leopoldo e durante muitos anos morei na Rua Progresso, próximo à Rua Coronel Cândido Viana, onde residiu o conhecido pedro-leopoldense José Issa Filho. Lembro-me ainda que, quando estudava no então Grupo Escolar São José, ele atuava como dentista. Lamento a oportunidade de não ter aproveitado melhor este tempo e espaço para escutar as maravilhosas histórias do reino de Pedro Leopoldo.

Em 2010, quando resolvi escrever sobre Chico Xavier em nossa cidade, procurei ler tudo que me chegava às mãos. Para minha surpresa, quando comecei a ler as muitas obras escritas e publicadas por José Issa Filho, fiquei encantado e sensibilizado pela forma poética que ele falava da nossa cidade, sobretudo, sendo um católico conhecido, de como ele falava da humanidade de Chico Xavier.

Transitando entre a realidade e a ficção, ele nos conta no livro intitulado “Coisas do reino de Pedro Leopoldo 3”, uma curiosa história narrada por três distintos personagens da nossa cidade, entre os quais se destaca Maria Tomásia Ferreira, mais conhecida como Sá Tomásia, uma antiga benzedeira da região e de notável habilidade poética. Segundo ela, na manhã do dia 02 de abril de 1910, data do nascimento de Chico Xavier, teria acontecido na cidade de Pedro Leopoldo, na região da Fazenda Modelo, um inexplicável e curioso fenômeno com as garças:

“Na estrada que cortava os terrenos da fazenda Modelo, um pouco aquém dos renques de bambus, havia a ponte do Ribeirão do Matuto. Uns cinquenta metros ao lado da ponte, sempre descendo na direção da estrada de ferro, o ribeirão contornava uma grande várzea, onde crescia capim-provisório, moitas de capim gordura, uns poucos juncos, dois ingazeiros e lírios de cálices muito brancos e perfumados. E foi aí que nasceu a lenda que há muitos anos me foi contada por um velho do caminho de Vera Cruz, depois por Sá Tomásia e em seguida por Donana Preta. A lenda era a mesma, mas Sá Tomásia tinha mais talento para contar uma história, por isso lembro-me com mais nitidez de suas palavras.

No fim do mês de março de 1910, começaram a aparecer garças naquela várzea, as quais foram-se misturando com os lírios. Palavras de Sá Tomásia: ‘E da ponte a gente via um branco que se movia e mudava de lugar e um branco que não se movia nem mudava de lugar…’ No dia 2 de abril de 1910, o branco dos lírios e das garças cobriu toda a várzea. E foi na manhã desse dia, bem cedo, que as garças embranqueceram vários trechos do azul do nosso céu, voando aos bandos, sem a menor pressa, num ritual de graça e leveza, com as penas refletindo a luz do sol e espalhando o suave perfume dos lírios da Fazenda Modelo pelo povoado de Pedro Leopoldo.

Sá Tomásia: ‘Foi a manhã mais bonita que vi em toda a minha vida!…E eu já vi as manhãs de mais de trinta mil dias…’ À tarde as garças voltaram a voar sobre o povoado, levando em suas penas o perfume dos lírios. E só retornaram ao ponto de onde saíram quando o sol começou a se esconder no horizonte. Sá Tomásia: ’Quem abriu a janela naquela noite viu o céu como se ele estivesse atrás de um vidro de cristal, com as estrelas mais próximas da Terra e brilhando mais que em outras noites, e sentiu no vento um suave perfume de lírio…”

“No dia seguinte, as garças, aos poucos, como chegaram, começaram a deixar aquela várzea. E só ficaram ali umas poucas garças e uns poucos lírios. Ainda hoje podemos ver naquela região um pequeno número delas, com certeza descendente das garças que sobrevoaram a cidade no dia 2 de abril de 1910, dia em que Chico Xavier nasceu. E Sá Tomásia concluía explicando que aquelas garças tinham aparecido em nossa terra para festejar, com seus voos e o perfume dos lírios, o nascimento de Chico Xavier. Sá Tomásia: ’Os lírios de Pedro Leopoldo nunca floriram com tanta vontade como naqueles dias… E o interessante é que hoje em dia, onde Chico Xavier se concentra para receber um espírito do além, quase sempre surge um suave perfume… às vezes de rosas, às vezes de lírios…”

Apropriei-me desta história oral para dizer que uma destas garças pousou na cidade de Pedro Leopoldo, no dia 02 de abril de 1910, na então Rua Quebra Nariz, posteriormente, Rua da Matriz e, hoje, Rua de São Sebastião, “trazendo amor e compaixão, e por isso mesmo, transformou as noites de muitos aflitos e angustiados em dias ensolarados de esperanças e alegrias”, dizia José Issa Filho.

Esta é uma das muitas histórias do pedroleopoldense Chico Xavier, quando ainda se encontrava no pequeno povoado chamado Cachoeira Grande ou Cachoeira das Três Moças, “fazendo contrariedades do tamanho de elefantes, que ocupavam a cabeça dos desesperados, ficarem menores que peixinhos de aquários”, como escreveu o saudoso pedroleopoldense José Issa Filho:

Maravilhosas aquelas noites em que Chico Xavier, que colhia estrelas para entregar, com versos de amor, aos que o procuravam, parava junto de nós com a gola do paletó erguida por causa do frio. E quantas coisas bonitas ele tinha para nos dizer. E quantos ensinamentos capazes de tornarem a vida menos complicada aprendemos com ele. Parecia um mágico em ação. Com sua voz macia e seu riso alegre espalhava mais luz em nossas noites do que todas as lâmpadas dos postes juntas. Fazia contrariedades do tamanho de elefantes, que ocupavam a cabeça dos desesperados, ficarem menores que peixinhos de aquários; fazia amarguras, pesadas como chumbo, que vergavam o ânimo dos angustiados, flutuarem no espaço, livres da força da gravidade. Parecia um mágico em ação; mas não usava fraque nem cartola, nem tinha voz nem gestos de mágico. Fazia tudo de maneira suave e natural. E de maneira suave e natural colhia esperanças no espaço (não as retirava da cartola ou das mangas do fraque) e as distribuía com os solitários, com os infelizes, com os doentes, com os tristes.” (Coisas do reino de Pedro Leopoldo 2. )

Hoje, Pedro Leopoldo, uma cidade do interior mineiro, ficou famosa não somente pelas suas belezas naturais, suas grutas, cachoeiras e arqueologia, sua indústria cimenteira, as façanhas médicas do Dr. Zezé ou pelas revelações de craques do futebol, entre eles os ex-jogadores Dirceu Lopes, Marcelo Oliveira e não poderia esquecer Gabriel Marques, mas também por ser a terra natal de Chico Xavier e de José Issa Filho. Parabéns a todos os pedro-leopoldenses! Parabéns Pedro Leopoldo!

Jhon Harley é presidente da Fundação Chico Xavier, instituída em 2005 com o objetivo central de divulgar os valores que sempre estiveram presentes na vida e obra de Chico Xavier, pelo viés cultural, e sem qualquer discriminação de raça, cor, gênero e religião.

Redação

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