Que vergonha! Não conheço a obra de Zé Issa, nosso maior escritor

Que vergonha! Não conheço a obra de Zé Issa, nosso maior escritor

Pedro Leopoldo está completando 100 anos e, coincidentemente, também celebramos o centenário de uma figura ilustre de nossa cidade, o escritor José Issa Filho. Confesso que experimentei um certo constrangimento ao descobrir que ele escreveu 15 livros, praticamente todos narrando memórias de nossa amada Pedro Leopoldo. Lamento minha ignorância, pois, apesar de ser um amante da leitura e possuir uma vasta biblioteca, que abriga centenas de autores explorando diversos temas, nenhum trabalho de Zé Issa faz parte de meu acervo. Que vergonha!

Ao confessar essa falha de conhecimento literário, admito meu desconhecimento das obras de José Issa Filho, um cronista dedicado, mais do que qualquer outro, a contar, com muito talento, a história local. É, porém, uma vergonha coletiva: ao perceber que pouco sabia sobre nosso premiado escritor, perguntei às pessoas ao meu redor se o conheciam e descobri que raras eram aquelas que tinham alguma informação sobre ele. E mais raras ainda eram as que, além de conhecê-lo, leram suas obras.

É triste isso. Por não conhecer os livros de Zé Issa, desconhecemos a própria história de nossa cidade, neles ricamente narrada. Ao negligenciar as palavras desse mestre, desvalorizamos um legado que transcende o tempo. Contudo, agradeço à Bianca por me lançar esse desafio, pois ela sempre me instiga a buscar conhecimento e me incentiva a explorar o  que ainda ignoro. Ao descobrir que Zé Issa iniciou sua jornada literária em 1961 com o livro “Rua de São Sebastião,” meu interesse foi instantaneamente despertado. Não apenas pelo fato de ser seu primeiro livro, mas pela coincidência notável: esse foi o ano e a rua onde meu pai nasceu e cresceu.

Não que meu pai fosse uma figura ilustre, com certeza não. O único adjetivo que marcou a história de vida de meu pai foi o apelido de Tecoball ou Teco, adquirido por sua habilidade na sinuca. Ele era considerado um dos melhores jogadores da cidade, uma reputação confirmada nas várias vezes em que estive em algum boteco “copo sujo”, com uma mesa de sinuca no centro.
Sempre que mencionávamos ser filhos de Roberto Leles, sobrinho de Chiquita, da rua São Sebastião, alguém já meio bicudo falava: “Eles são filhos de Teco. Nossa! Seu pai era o melhor jogador de sinuca de Pedro Leopoldo”.

No entanto, por trás da habilidade que tornava meu pai um destaque nas mesas de sinuca, havia uma narrativa marcada por notáveis superações que ocorreram justamente na emblemática Rua São Sebastião, título do primeiro livro de Zé Issa. Aos 13 anos, meu pai enfrentou uma perda irreparável – a de sua mãe, Dona Célia, proprietária da pensão situada nessa mesma rua, onde hoje se localiza o estacionamento do edifício comercial La Poveda. Pensão que acolhia os trabalhadores da Estação Ferroviária de Pedro Leopoldo – entre eles, meu avô, o telegrafista da Estação, que se envolveu com minha avó durante sua estadia.

Ao mergulhar na vida de Zé Issa, uma figura notável que dedicou sua escrita à rica história de Pedro Leopoldo, não pude deixar de refletir sobre as histórias não contadas, como a do meu pai, Tecoball, cuja presença era bem maior nas mesas de sinuca do que junto a nós, sua família. Sua ausência me conduziu a uma jornada de descoberta, que o tempo todo reforça em mim a importância de repensar o papel de um pai, reconhecendo que a verdadeira responsabilidade vai além da mera geração de vidas.

Zé Issa perdeu seu pai ainda criança e mais do que compensou sua falta ao educar seus muitos filhos. Ao colocá-los no mundo, assumiu o compromisso de não só estar presente, mas principalmente orientar e oferecer amor, evitando que tantas histórias se percam nas sombras da ausência paterna, que se refletem em impactos sociais e individuais profundos. Tento ser um pai como ele, nunca perfeito mas sempre próximo e disponível para meu filho.

Zé Issa adotou como família também a cidade de Pedro Leopoldo, que às vezes foi sua mãe e outras, muitas mais, foi sua filha, à qual ele se dedicou e procurou proteger. Tenho diante de mim um exemplo de homem e cidadão e, com isso, algumas obrigações que ora me exigem. Em primeiro lugar, devo ler seus livros para conhecer melhor a minha cidade. Além do prazer que certamente terei, quero aprender com as lições de Zé Issa. E assim, escrever a minha própria história, cultivando um legado de compreensão, amor e responsabilidade.

Roberto Leles

Roberto Leles é atleta, professor de Educação física, personal trainer, empreendedor e treinador de Basquete

ARTIGOS RELACIONADOS

Minhas duas mães

Minhas duas mães

Uma mulher alegre, feliz com a vida, boa com todos que a cercavam. Aparecida, minha mãe, merece todas as homenagens não só hoje

LEIA MAIS
A falta que Carminha me faz

A falta que Carminha me faz

Minha mãe costurava. Costurava tão bem que muitas pessoas ainda guardam, como relíquias, os vestidos e conjuntos que saiam da sua Singer. Ou a máquina de costura seria Elgin? Cresci

LEIA MAIS