Vejo em um bom grupo de discussões no whatsapp da cidade, a informação de que a JBS, uma das maiores fornecedoras de proteína animal do mundo, tem divulgado sua política de não comercializar gado com origem em áreas de desmatamento ilegal. A iniciativa da JBS é, na verdade, a resposta a um grande embargo de exportações para a Rede Teskos de supermercados do Reino Unido, pressionada por consumidores que a ameaçaram de boicote. Um exemplo de como a sustentabilidade é uma exigência mundial, não só para a sobrevivência da espécie humana como, e por isso, para a viabilidade dos negócios.
Baseada em situações como esta, acredito que a Heineken, no projeto de sua nova fábrica, não vá mergulhar em um manejo predatório, correndo o risco da Europa toda boicotar sua cerveja. E não só a Europa: o primeiro mundo está bastante consciente e não perdoa suas empresas passando boiadas em países menos desenvolvidos…. Ressalte-se que isso não é uma declaração de inocência da Heineken. É uma exigência de compliance, de ESG, enfim, fundamentos que hoje se associam ao mundo dos negócios e que vão assumir a dianteira das discussões assim que a pandemia for controlada.
Ninguém concorda com uma licença “amor incondicional ” da Semad, mas também não tem sentido o ICMBio adiar indefinidamente as negociações que envolvam maiores cuidados e/ou compensações ambientais no empreendimento. A cidade não pode perder um investimento de R$1,8 bilhão, que já começou, trará outros e, além de ser a nossa redenção econômica, pode mudar toda a cultura empresarial na região e impactar na melhoria, mais do que necessária, da nossa relação com o meio ambiente.
Exatamente por esse motivo, é necessário o diálogo imediato entre a Heineken e os órgãos ambientais, no caso o ICMBio. É muito estranho que a reunião de conciliação do dia 9, tão propalada pelo órgão na imprensa nacional, não tenha acontecido. Ao marcá-la, o instituto garantiu que, caso fossem apresentados os estudos necessários à proteção do sítio arqueológico e do patrimônio hídrico (que tanto a cervejaria quanto a Semad garantem que estão no processo), a obra poderia ser retomada. A reunião não aconteceu e sequer se sabe se foi marcada – uma pesquisa no Google mostra que ela seria realizada, mas não esclarece porque isto não aconteceu.
Pessoas preocupadas com a cidade apontam para um passado pouco recomendável de empresas estrangeiras explorando de forma predatória o terceiro mundo, inclusive europeias como a própria Heineken. Sim, mas esta é uma realidade que vem mudando a partir das pessoas, das gretas thunbergs da vida e dos consequentes cerceamentos a práticas daninhas de empresas como a JBS, por exemplo. Ser “ambientalmente correto”, ninguém duvida, é hoje uma questão de sobrevivência no mundo dos negócios. E para os países (e estados e municípios), uma agenda ambiental positiva é um fator cada vez mais determinante na atração de investimentos.
Não há melhor localização para a fábrica da Heineken do que a cidade de Pedro Leopoldo. Aqui tem uma capital a quarenta quilômetros, rodovia com pista dupla, aeroporto, água e 5 milhões de consumidores para o grosso da produção. Mas há uma maneira especial de trabalhar aqui, que é o plano de manejo da unidade de conservação. E a Heineken terá que seguí-la. Até agora, esta parece ser a disposição da empresa que, mesmo tendo uma liminar da Justiça pra retomar as obras, prefere primeiramente se ajustar às exigências do ICMBio. Então, que se sentem e acertem as condições. Deixar tudo no ar e dificultar o processo cheira a criar dificuldades para vender facilidades.
Enquanto isso, pelos relatos dos meus colegas jornalistas, vejo que a imprensa local tenta falar com o ICMBio e não consegue. Ao contrário do que se poderia esperar, o instituto não age espontaneamente, só quando provocado. E não utiliza sua assessoria para esclarecer e tranquilizar a população, como seria natural por parte de um órgão público que tem sua comunicação paga pelo contribuinte (ou seja, todo mundo) e, como tal, deve satisfações a todos o tempo todo. Deixar as razões do embargo no ar tem como consequência mais nefasta o desencontro de informações e os prejuízos óbvios à consciência ecológica e cultural do nosso povo.
Vejo em grupos do Facebook como o Help e o Kdê, que têm grande afluência popular, um verdadeiro ódio por Luzia e pelo patrimônio arqueológico que, no imaginário de muitas pessoas, tornaram-se os responsáveis por ainda não termos a fábrica e seus empregos… uma inversão de valores que acaba sendo incentivada, mesmo que inconscientemente, não só pelo capital predador como pelos próprios órgãos ambientais. Como já escrevi aqui, Luzia não tem a menor culpa neste imbróglio todo. Ela já estava morta e enterrada há mais de 12 mil anos, quando seu fóssil foi encontrado pela expedição da arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire em 1975.