A história de Pedro Leopoldo que contamos na Internet – capítulo 5: década de 60

A história de Pedro Leopoldo que contamos na Internet – capítulo 5: década de 60

Vista parcial de Pedro Leopoldo em 1967

Na década de 60, a fabricação de cimento passou a ser principal fonte de receitas de Pedro Leopoldo. Tal geração de divisas veio num crescendo: segundo o historiador Marcos Lobato, já em 1958 a Cauê contribuía com mais de 60% da arrecadação municipal. O advogado e contador Bernardo Vaz de Mello era o responsável, em Belo Horizonte, por lançar na contabilidade o que era gasto na fábrica. Ele garantiu, em depoimento à revista AQUI PL (2003), que tinha a recomendação de pagar os impostos em Pedro Leopoldo.

Em 1960, Pedro Leopoldo tinha 2.863 prédios, dos quais 28% contavam com fornecimento de água; 61% tinham rede de esgoto e 60% energia elétrica. A Cauê passa a ser onipresente na cidade, não só empregando seus moradores, como participando de praticamente tudo o que acontecia aqui. A maternidade Eugênio Gomes foi inaugurada em 1960. Iniciativa de Padre Sinfrônio, teve cimento doado pela Cauê.

Quatro dias depois da inauguração, no dia 21, nascia o primeiro bebê: Eugênia Antônia Aguiar Amorim, que ganhou este nome – o mesmo do patrono da maternidade –  por sugestão das freiras que administravam a unidade de saúde.

A maternidade, ainda em construção
O Coronel Juventino Dias, na inauguração da maternidade

Em 1961, é inaugurada a agência da Cemig – as linhas de transmissão vieram anos antes para atender a cimenteira. Vaz de Mello contou que Juventino Dias teria ido até o governador JK dez anos antes e falado: “estou querendo montar uma fábrica em Pedro Leopoldo. Lá eu não tenho estrada nem energia elétrica”. Ao que JK respondeu: “pode montar a fábrica, que vai ter”. Ele criou a Cemig em 1952.

Até então, a fábrica de tecidos fornecia energia elétrica para parte da cidade e a tímida geração de watts da Cachoeira Grande naturalmente não conseguiria suprir as necessidades da Cauê.  Sua produção atendia apenas ao centro da cidade. Segundo o historiador Marcos Lobato, os distritos não possuíam este serviço e, em ocasiões especiais como festas religiosas e comícios políticos, eram empregados geradores a óleo para iluminar os locais dos eventos.

Padre Sinfrônio

Padre Sinfrônio, à esquerda, com o papa João Paulo II, no Vaticano

Padre Sinfrônio Torres de Freitas também esteve à frente da criação da Companhia Telefônica (CTPL) da cidade. Conta a lenda que ele procurou pessoalmente os moradores mais abastados para que assinassem as primeiras linhas. Nada a estranhar na atitude do vigário, que aqui tomou várias iniciativas em favor do bem estar da população.

Aluna de História da Fundação Pedro Leopoldo, Natália Ribeiro baseou sua monografia de final de curso em 2003 na figura do atuante pároco, responsável por terminar a construção da Igreja Matriz, além de criar o Lactário, a Maternidade, a companhia telefônica e o conjunto habitacional Amélia Torres, que ganhou esse nome em homenagem à mãe do padre. Ele esteve à frente da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição por dois períodos: de 1942 a 1947 e de 1949 a 1988.

A central de telefonia foi inaugurada no dia 27 de janeiro de 1961, aniversário da cidade. Até então, o posto telefônico funcionava na residência de Maria Geralda (Zinha) Carrusca, na rua principal, perto da Herbster. Dali ele foi para a rua Romero Carvalho, ainda na casa de Zinha e quem precisasse falar para fora, tinha que ir até lá fazer o interurbano.

Depois de sua inauguração, a CTPL funcionou em um prédio alugado, ao lado da Maternidade. No começo, através do sistema semiautomático para as ligações locais, a partir de aparelhos com numeração de três dígitos. Os interurbanos eram feitos com auxílio da telefonista – só em 1965, o serviço foi automatizado e o usuário discava direto para Belo Horizonte. Em 75, o serviço foi encampado pela Telemig, estatal mineira de telefonia que foi comprada pela Vivo.

Ainda no mesmo ano, no dia 5 de dezembro, é editada a revista Passarela, sob a direção de José Luciano Castilho Pereira, que se tornaria ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Colaboraram com textos na revista os pedro-leopoldenses Azarias Ferreira Cândido, Alexandre Pimentel, José Nicolau Neto, José Ronald Viana, José Issa, Geraldo Storino, Geraldo Pinheiro, Luiz Fabiano e Randolfo de Sales e o padre Artur Pimenta de Souza.

A Jupel

Algumas das personagens que aqui pontificam, como José Luciano e Padre Sinfronio, estiveram intimamente ligados, o primeiro como professor do Colégio e o segundo como mentor religioso, a um grupo que se formou em 1966 e atuou até 1969 na cidade. Reunindo adolescentes e jovens entre 16 e 19 anos, a Jupel (Juventude de Pedro Leopoldo) repetia nas margens do ribeirão da Mata os embates políticos e culturais que viriam a desaguar em todo o mundo, em especial no maio de 68, na França.

A psicóloga social Georgina Vieira lembra que uma das atividades do grupo era a alfabetização de adultos pelo método Paulo Freire. Mas, segundo ela, Pedro Leopoldo era uma das cidades mais alfabetizadas do país e foi difícil arrumar aluno para a corajosa empreitada. Houve quem dissesse, cinquenta anos depois, ser este um “precedente educacional” dos dissabores do prefeito Odorico Paraguaçu que, na novela O Bem Amado, de Dias Gomes, não conseguia inaugurar seu cemitério por falta de defuntos. Saiba mais sobre a Jupel nesta reportagem, publicada em abril de 2022, na ocasião do lançamento do livro “Jupel, memórias de um movimento político-cultural de Pedro Leopoldo nos anos 1960”, organizado por Georgina, Ivan Domingues e Renato Hilário dos Reis, com a colaboração especial de Lucinha Alvim.

Padre Artur

Padre Artur tinha chegado à cidade no início daquele ano, mais exatamente no dia 2 de fevereiro de 1961. Vinha para a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, onde ficou sete anos. Tomou posse como pároco da Igreja de São Sebastião em 2 de setembro de 1967- a igreja tinha se tornado matriz em 1966. O primeiro vigário foi o padre Mário Pinto, que ficou apenas oito meses. Logo depois, a pedido e pressão dos fazendeiros da região, Padre Artur foi nomeado pároco. Se tornou emérito no dia 2 de setembro de 2010, após 43 anos à frente da Igreja São Sebastião de Pedro Leopoldo.

Primeira diretoria do Clube Social, tendo à frente Guilly Viana, no baile de gala que marcou a inauguração da sede
Sede do Clube Social, ainda hoje uma ousada construção

O aniversário da cidade em 1962 foi marcado pela inauguração do Clube Social. Sua “pedra fundamental” fora lançada em 12 de março de 1957 – data em que até hoje é comemorada a criação do clube. O espaço de lazer, cultura e esportes veio para suprir uma importante lacuna na cidade que, sob os auspícios da nova cimenteira, entrava no modernidade.

Naquela época, Pedro Leopoldo tinha poucos espaços de lazer. Os encontros e festas aconteciam apenas na rua ou nas residências mais abastadas e a cidade pedia um espaço mais democrático para eventos sociais e comunitários. Movidos por esse objetivo, em 1956 um grupo de cidadãos, encabeçado por Sebastião Lopes Diniz (Tinoco) e Adelso Nery Lopes, procurou o prefeito municipal Roberto Belisário Viana para pedir seu apoio à ideia de se construir um Clube Social em Pedro Leopoldo.

A obra se tornou realidade em 1962, a partir de um projeto inovador – que até hoje impressiona – do arquiteto Walter Machado. De lá para cá, o Clube, localizado no hipercentro de Pedro Leopoldo, oferece lazer, prática esportiva, cultura e convivência, proporcionando a troca de ideias e o desenvolvimento social da cidade. Em suas dependências, aconteceram bailes de debutantes e de carnaval, formaturas, aniversários, desfiles, grandes comemorações e os mais diversos eventos, alguns inesquecíveis como os de Miss Pedro Leopoldo e de Glamour-Girl de Minas, realizados pelo jornalista Nicolau Neto, que “bombava” os eventos a partir de sua coluna “Sociedade no interior”, no jornal Estado de Minas. Miss Comerciária e até mesmo os concursos de “homem mais bonito” ou “gordinha mais simpátia” tiveram ali suas passarelas.

Cidadãos comprometidos com a cidade compuseram suas diretorias executivas e conselhos deliberativos, fazendo do Clube um importante patrimônio histórico e social de Pedro Leopoldo. A primeira diretoria teve à frente Guilly Viana, ao lado de Dr. Rocha, Maloy, Maria de Lourdes Belisario, Dr. Dalton, Ildeu Campolina, Orlando Belisario e Jorginho Issa, entre outros.

A primeira exposição trouxe o ex-presidente JK a PL. Foi um frisson. À sua direita, o presidente do Sindicato Rural, José de Paula

 

Embora a indústria do cimento fosse a principal atividade econômica, permaneciam significativas a agricultura e a pecuária. Por este motivo, em 8 de julho, acontece a primeira Exposição Agropecuária e Industrial do município, promovida pelo Sindicato Rural. A entidade então tinha como presidente José de Paula, pai de Carlos Alberto Reis de Paula, que se tornou ministro do TST e, posteriormente, presidiria a corte trabalhista. Foi o segundo pedro-leopoldense na suprema corte trabalhista do país: antes dele, o professor José Luciano de Castilho Pereira atuou no tribunal de 1995 a 2007. Evento que mobilizou e divertiu a cidade por quase cinquenta anos, a Exposição – como sempre foi chamada – teve na abertura as presenças do ex-presidente Juscelino Kubitschek e do governador Magalhães Pinto.

 

O povoado de Dr. Lund vira distrito no último dia de 1962. Atualmente é um dos três distritos do município, ao lado de Fidalgo e de Vera Cruz. E foi lá que em 1963, o engenheiro Milton Vianna Dias criou a Precon Industrial S.A, produzindo as primeiras peças pré-fabricadas em concreto protendido do estado. Eram apenas onze funcionários, que chegaram a ser mais de 500 – praticamente todas as famílias pedro-leopoldenses tiveram alguém trabalhando na Precon.

A revista AQUI PL registrou os 50 anos da Precon em 2013.

A inauguração foi no dia 4 de fevereiro, início de um empreendimento que, partindo da produção de muros e estacas, se solidificou, transformando concreto e ferro em grandes obras mineiras, como a reforma do Mineirão, do Independência e na construção do pátio da Fiat. “A Precon foi para mim não só a empresa em que trabalhei e desenvolvi minha formação profissional, mas o ambiente no qual me formei como pessoa”, disse Márcio Rogério de Souza, na edição da revista AQUI PL que registrou os 50 anos da empresa em junho de 2013. Márcio trabalhou 26 anos na empresa.

A cidade se acostumou a promover grandes eventos, inaugurações ou homenagens no dia 27 de janeiro, data de sua emancipação. Em 1964, o que marcou o aniversário foi o traslado dos restos mortais do engenheiro Pedro Leopoldo da Silveira para o cemitério de Pedro Leopoldo. Ele havia morrido em Sabará, no dia 9 de agosto de 1894. Sem conhecer a cidade à qual daria seu nome, aliás.

A ditadura militar implantada a partir de 31 de março daquele ano também fez suas vítimas em Pedro Leopoldo. Os vereadores Moacir José da Silva, “Ciciu” e João Nunes, do PTB, são cassados e afastados da política. A câmara eleita em 1962 tinha quatro vereadores da UDN, três do PTB e dois do PL. Além de Ciciu e João Nunes, compunham o Legislativo Adelso Nery Lopes, Agenor Martins, Ary Trevizani, Celso Cardoso Pereira, Danilo Romanelli, Geraldo Santos, José dos Santos Moreira e Sinval Alves da Silva, pai de Georgina, da Jupel. Na Câmara seguinte, assumem dois jovens vereadores, que teriam vida longa na política de Pedro Leopoldo, chegando inclusive à prefeitura: Ângelo Tadeu e Renato Andrade Pinto.

A água tratada só chegou ao município em 1965, no governo de Caetano Carvalho, através da Comag, que hoje é a Copasa. Obra fundamental, que baixou sensivelmente a venda de vermífugos nas farmácias da cidade, já que a água até então não tinha qualquer tipo de tratamento. Naquele ano, o parque de exposições recebe o nome de Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados.  No final do ano, o Colégio Imaculada Conceição é estadualizado.

O rock and roll chega à cidade. Uma das primeiras bandas foi “Os impossíveis”

1967 foi um ano que se destacou na área de educação, cultura e entretenimento. Na comemoração do aniversário, a cidade ganhou o seu hino, que teve música e letra compostos por Osvaldo Gonçalo do Carmo. Ele foi oficializado pela Lei Municipal 504, de 30 de julho de 1968, com o número 230/68 no registro de direitos autorais.

Primeiro concurso Glamour Girl, em 1967

Em 27 de outubro, é realizado o primeiro concurso Glamour Girl de Pedro Leopoldo, iniciativa do META (Movimento de Estudos Trabalho e Arte), que reunia jovens da cidade para atividades de entretenimento e lazer. O páreo foi duro entre Sônia Brandão e Helena Carvalho. Segundo Cleide Issa, que participou do concurso, Sônia tinha mais altura e muita presença. Helena era uma belíssima mulher, mas a Sônia venceu e, posteriormente, foi escolhida Miss Pedro Leopoldo – ficou em quinto lugar no Miss Minas Gerais. O jornalista Nicolau Neto, com o Estado de Minas na retaguarda, estadualizou o concurso de Glamour Girl, que passou a ser realizado em Pedro Leopoldo, reunindo candidatas de todo o estado.

Vânia Belisário conta que o sucesso da festa era tamanho, que os diretores dos “Diários Associados” quiseram levar o evento para BH. Mas os coordenadores do concurso nas várias cidades mineiras (cada coordenador levava para PL a concorrente de sua cidade) não admitiram tirar o evento.de Pedro Leopoldo. “Alegaram que era uma festa com característica familiar, aconchegante, pois as candidatas se hospedavam nas casas de famílias da cidade. Com isto, a festa continuou sendo em PL”, disse Vânia, ressaltando que a ideia do Glamour Gir foi de Geraldinho Nery, João Luiz Issa e Geraldo Nery Costa, o Gegê do Laboratório.

As candidatas ao primeiro glamour-girl de PL: na segunda fila, a ganhadora Sônia (terceira da esquerda para a direita) e, ao seu lado, à direita, a vice Helena. À esquerda e à frente, Cleide Issa

O evento movimentava a cidade. Bonitas e bem vestidas, elas se hospedavam com suas mães nas residências pedro-leopoldenses e participavam de várias atividades, como desfiles em carro aberto, visitas às autoridades e o próprio concurso, acompanhado de um baile espetacular no Clube Social. O concurso durou mais de vinte anos, acompanhando o sucesso dos concursos de misses no país, que depois entraram em decadência.

Candidata ao Glamour Girl MG desfila “em carro aberto” pela rua principal

Neste ano de 1967, começa-se a pensar em uma faculdade que pudesse formar os professores que a cidade precisava. Em 1969, é instalada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que formou professores para as várias gerações que frequentaram os bancos do Colégio Imaculada. E contribuiu efetivamente para a formação profissional e intelectual de boa parte da nova classe de trabalhadores urbanos que surgiu com a Cauê e suas fornecedoras. Inicialmente uma extensão da Universidade Católica, ela ampliou sua oferta de cursos – inicialmente Estudos Sociais, Ciências e Letras – e hoje tem um respeitado mestrado profissional em Administração, além das faculdades de Ciências Contábeis, Logística, Gestão e Direito.

Antes porém, em 1968, a cidade vê o Cine Central fechar suas portas no dia 30 de dezembro. O último filme foi a monumental produção A Bíblia, de 1966, dirigido por John Huston. O filme ganhou o Oscar de melhor trilha sonora, que não se estendeu ao autor das músicas de abertura e encerramento do filme, Ennio Morricone, que morreu em 2020.

Fontes: Arquivo Geraldo Leão (fotos), livros Memória Histórica de Pedro Leopoldo (1994/Marcos Lobato Martins), Memória Histórica de Pedro Leopoldo ( 2015/José Issa Filho) e Esta Pedro Leopoldo!… (Osvaldo Gonçalo do Carmo); acervo revista e jornal AQUI PL, página no Facebook Pedro Leopoldo e sua História; sites sobre história das Ferrovias, política de Minas e prefeitura de Pedro Leopoldo

 

 

Bianca Alves

Criadora e editora do projeto AQUI PL, é formada em Comunicação Social pela UFMG e trabalhou em publicações como os jornais O Tempo, Pampulha, O Globo; revistas Isto é, Fato Relevante, Sebrae, Mercado Comum e site Os Novos Inconfidentes

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