Estamos criando frangos de granja?

Estamos criando frangos de granja?

 

Artigo Matheus

Estamos criando uma geração que quer crescer antes da hora, antigamente o mundo era dividido, criança nem podia ficar na mesma sala dos adultos, “isto aqui é conversa de gente grande”. Hoje, com a internet e especialmente o facebook, crianças de 12 anos já debatem o mundo dos adultos, se é correto ter sexo definido quando nasce ou isto é rotular o gênero da pessoa, na minha época tínhamos que pagar o dobro pela revista de desenho que ensinava umas posições e tal, e era muito dinheiro, tipo três fichas de fliperama, aliás, isto era errado, aprendíamos a roubar muito cedo, era um tal de perder o troco do pão para jogar uma ficha de Street Fighter e ainda rezar para o menino mau do bairro não tomar sua ficha ou te bater, opa, ponto pra gente, aprendíamos a rezar cedo.

Imaginem um destes meninos de hoje em dia que já nascem com um passo lento, como se fossem preparados geneticamente para digitar no celular enquanto andam subindo em um daqueles imensos pés de manga ou de ingá? Não conseguem nem pular o muro de arrimo da escola mais, seria óbito na certa.

Também falam de política, que era coisa de adulto, antes só sabíamos que político era um moço bacana e bem vestido que a cada quatro anos ia à casa da nossa avó comer queijo, tomar café, contar umas mentiras, uns causos engraçados, abraçar e ir embora com a barriga cheia. Aí todo mundo falava “ô moço bão, gente”, hoje o povo novo debate se é melhor voto distrital ou por lista, e argumentam, talvez seja coisa da internet que prende as pessoas como prendíamos os outros na cadeia do forró. Como não tem nada pra fazer como pedir um maozão no jogo de bolinha de gude, ficar treinando sozinho no quintal uns desvios em alta velocidade para poder roubar a bandeira dos outros mais tarde, testar o melhor método de como enfiar rápido a alça do chinelo no braço pra correr muito em caso de perigo, apostar corrida descalço valendo bolinhas de gude, sim, bolinhas de gude valiam muito dinheiro, já fui muito rico, tive um pote com quase mil, fruto de muito suor, maozão e bolão, os olhos brilham só de lembrar daquele triângulo lotado e a sua bolinha ter chegado o mais perto da linha e você ser o primeiro.

Hoje o povo conhece todo mundo, principalmente quem nunca viu e é difícil reconhecer se encontrar na rua, cada foto bonita da pessoa e na hora da verdade encontra um frango depenado. Antigamente a gente conhecia todo mundo de verdade, era cada polícia e ladrão de dar inveja pro Moro e a Polícia Federal da Lava Jato, juntando uns 70 de cada lado e aquela correria, os meninos todos doidos, descalços com seus dedões estourados pelos meios fios subindo pelos telhados, pulando muro das casas. Além de conhecer todo mundo, também sabíamos de todas as casas que tinham cachorros, sabíamos mais que o carteiro de hoje em dia que anda com um GPS no carro, antes era na botina mesmo, se precisássemos de um dinheiro extra, dava para vender picolé, não tinha esta de menino não pode trabalhar, não falo de trabalho escravo, era um extra mesmo, “ahhh o picoolé”.

Creio que sexo e política resumem bem que o povo está crescendo antes da hora, é até salutar que as pessoas debatam tudo isto neste mundão tão moderno de conceitos e pré-conceitos, de tantos contextos reais e abstratos, mas amadurecer rápido nunca faz bem, é como um mamão papaia amarelo do tamanho de um coquinho. Darwin não conseguiria explicar esta evolução ocorrida nos últimos 15 anos, somos cada vez mais solitários, dependentes de ansiolíticos, viciados num mundo virtual onde transam pela web cam, no primeiro encontro já tem foto do outro pelado, tem nudes pra todo lado, deve ter mais uns trens aí que ainda não chegou pra gente, povo antigo e bobo.

Se pegassem os meninos de hoje e os colocassem 20 anos atrás, morreriam todos em dois ou três dias e estou sendo otimista. A gente só bebia água da torneira, água mineral nem existia, se existiu, nunca vi, morreriam de traumatismo, claro, ninguém usava cinto ou cadeirinha, aliás, quanto menor melhor, ai era só colocar aquele tanto de menino no porta malas do fusca e romper por estas estradas não duplicadas, esburacadas e de terra. Morreriam talvez de acidente de carrinho de rolimã, talvez morreriam de tristeza porque naquela época não existia bulling, eu sempre fui o quatro olhos e nunca me importei, aprendi desde cedo com os meninos maus que quanto mais achar ruim, mais o apelido pega.
Talvez nem morressem, mas com certeza ficariam perdidos vagando na vida pra sempre..Como não existia celular, ninguém nunca achava ninguém e direita e esquerda era só jeito de chegar aos lugares mesmo e não idealismo político. Pelo menos para nós, meninos.

É, mas se pegassem a gente lá atrás e jogassem no mundo de hoje? Bobos, descalços, semi-analfabetos, dedões estourados, cabelo torto cortado pela tia que fez curso no Sesi, roupa do irmão mais velho, chamando de “vô” todo mundo com cabelos brancos, acostumados a não questionar os pais, saber que apanharíamos e torceríamos para isto porque o simples sermão do pai era pior que o coro caso xingássemos a professora. Acho que também não sobreviveríamos, morreríamos de tédio, seríamos pardais quando presos, morrem porque são vagabundos, do mundo, da terra, daquela lógica que Deus protege bêbado e menino, hoje tem tudo infantil, pedagogo, professor, terapeuta, psicólogo, babá com diploma, o povo deve até estar mais ateu. Apesar disso tudo, duraríamos mais, talvez uma semana ou duas, afinal, somos caipiras, eles são de granja, quer apostar? Tá valendo um cocão.

Bianca Alves

Criadora e editora do projeto AQUI PL, é formada em Comunicação Social pela UFMG e trabalhou em publicações como os jornais O Tempo, Pampulha, O Globo; revistas Isto é, Fato Relevante, Sebrae, Mercado Comum e site Os Novos Inconfidentes

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