Sabe quando voltaremos à normalidade? Nunca mais.

Sabe quando voltaremos à normalidade? Nunca mais.

Um artigo de Paulo Bretas*

A pandemia de covid 19 está sendo combatida de forma bastante precária no Brasil e em várias partes do planeta, logo suas consequências para as economias em todas as partes prometem ser duradouras e de difícil solução.

Segundo especialistas em saúde pública, o tempo pelo qual o vírus continuará representando uma ameaça ao mundo vai depender das mutações que ele possa sofrer, da eficácia de medidas de restrição do contágio implantadas pelos países e do desenvolvimento de uma vacina viável. Daí que os impactos na economia e na vida das pessoas tendem a ser persistentes, por um bom tempo.

Novas formas de trabalho, relacionamento, compra e venda, vão sendo pensadas e testadas em meio ao aumento do desemprego, do fechamento de empresas e das mortes.

Vou alertar aos que leem este meu artigo: nada será como antes. Se já vínhamos crescendo de lado na economia (em torno de 1%), se mal conseguíamos sair da grande recessão 2015-2017, se vínhamos enfrentando baixíssimos índices de investimentos públicos e privados, se a inadimplência das famílias estava alta, agora a tendência é que a situação piore no médio prazo.

No Brasil as medidas de isolamento e bloqueio chegaram atrasadas em muitas cidades e o combate à covid-19 vai sendo atropelado por decisões abruptas, que antecipam a abertura das empresas. A pressão do capital e a necessidade das pessoas de sobreviverem conduzem à aceleração do contágio e ao crescimento exponencial de mortos. Nos hospitais vai se produzindo a superlotação, levando os tomadores de decisões a uma verdadeira gangorra do abre e fecha, estressando ainda mais a sociedade.

Pelas características da sociedade brasileira, desigual como nenhuma outra e patrimonialista ao extremo, os que vão sair mais machucados de toda esta crise são os mais pobres, os negros e as mulheres; sendo idosos, tanto pior.

Como querer abrir a economia se não conseguimos testar a população preventivamente? Como forçar a volta das pessoas ao trabalho se os suprimentos de EPI não chegam, em número suficiente, a hospitais e prestadores de cuidados de saúde de acordo com suas necessidades?

Nada foi feito para gerenciar as cadeias de suprimento médico e nada foi feito para incentivar a produção nacional de insumos de saúde, ou até mesmo a conversão industrial voltada para a produção de equipamentos e suprimentos médicos, tão necessários neste momento de crise.

Temos que reconhecer que algumas empresas estão dando seu melhor. Temos que reconhecer que muitas organizações não governamentais tentam suprir a ausência do poder público e levam um mínimo de apoio e conforto para os mais vulneráveis. Mas sem uma coordenação planejada vinda do governo federal, será muito mais difícil sairmos desta crise sem graves ferimentos econômicos e sociais.

Mesmo que consigamos controlar a pandemia a economia não voltará ao normal. Como disse James K. Galbraith em seu artigo “Do defend democracy” publicado no portal GGN (https://jornalggn.com.br/novademocracia/precisamos-de-um-modelo-radicalmente-diferente-para-enfrentar-a-crise-do-covid-1-por-james-k-galbraith/) : “Mesmo que a pandemia esteja agora contida, a economia não voltará ao “normal”.

Os Estados Unidos são os principais produtores de energia, aeroespacial, tecnologias avançadas de informação e serviços financeiros. Reúne muitos milhões de automóveis, eletrodomésticos e outros bens duráveis todos os anos. O setor de petróleo sofreu um colapso de preços e agora beira a falência em massa; quando os poços de fracking são tampados, eles lixam e tornam-se muito caros para reabrir; portanto, a expansão econômica baseada em energia dos EUA acaba. Aviões estão alinhados em lugares de estacionamento; não serão necessários novos aviões civis de passageiros por tempo indeterminado. As famílias que estão desempregadas ou trabalhando em casa (e, portanto, não viajam) ou que enfrentam aluguel e hipotecas diferidos não estarão em breve no mercado de carros novos; de qualquer forma, os antigos durarão mais, pois serão dirigidos muito menos.”.

Se esta é a situação dos EUA, imaginem o restante das economias mundiais.

Muitos que perderam o emprego não serão recontratados e o auxílio emergencial de R$600,00 por três meses terá que ser renovado para mais meses. O Estado verá crescer seus déficits e dívidas. Quem estava com imóveis para alugar pode esperar por um longo tempo, porque não serão alugados. E quem estava com imóveis alugados irá perder esta fonte de renda. O valor dos imóveis entrará em colapso.

Dívidas acumuladas durante a pandemia serão inadimplentes e os bancos estarão menos propensos a emprestar. O dólar leva jeito de seguir subindo de cotação em relação ao real.

As escolas terão que se reinventar adotando outros modelos de ensino mais baratos, em salas de aula virtuais ou com menos alunos.

A prestação de serviços, de restaurantes a varejistas, não poderá funcionar com lucros, com apenas um quarto da capacidade, se muito. Os bares, discotecas e a maioria dos locais esportivos não poderão reabrir como antes. Empresas de turismo, hotelaria e companhias aéreas sairão bastante arranhadas. O setor de transportes terá que ser reestruturado.

As épocas de prosperidade econômica vão demorar um tempo para serem revividas.

Citando novamente James Galbraith, “muitas indústrias – aeronaves, companhias aéreas, hotéis, automóveis, eletrodomésticos, construção comercial, energia – definitivamente encolherão, aconteça o que acontecer agora e não importa quanto dinheiro recebam. Os resgates foram uma medida baseada na ideia de que essas indústrias estavam enfrentando apenas uma interrupção temporária. Mas é difícil ver como as falências e liquidações podem ser evitadas se não houver um reavivamento na demanda por produtos. E a produção em larga escala depende de cadeias de suprimentos interligadas, de modo que, se um único grande produtor (por exemplo, um dos maiores do setor automotivo) falha, há o risco de liquidações em cascata (por exemplo, em autopeças), realizando operações difíceis – talvez impossíveis – para os sobreviventes.”

Vale lembrar que passávamos por um processo de rápida desindustrialização no Brasil e agora caberá ao governo entregar à sociedade um plano articulado de repatriação de empresas e de complementação de cadeias produtivas, com total apoio aos investimentos.

Os sistemas de assistência social deverão se preparar para o aumento da violência doméstica,  o abuso de álcool e de drogas. Sem falar do possível aumento do número de suicídios.

Programas habitacionais e de investimentos em infraestrutura, especialmente banda larga a ser oferecida de graça para a população, em parceria com a iniciativa privada, serão bem vindos e até necessários.

Para encerrar, os governos estaduais e municipais terão que ser financiados e refinanciados pelo governo federal para que mantenham a oferta dos serviços públicos básicos à população, evitando seu colapso.

Esqueçam a possibilidade de voltar à situação anterior. Uma vez mais o capitalismo terá que ser reinventado para sobreviver, enquanto nos acostumamos a novas formas de vida, de relacionamento, de respeito ao próximo, de valorização da democracia e de mais interferência do Estado em nossas vidas. (Publicado no site Os Novos Inconfidentes)

Paulo Roberto Bretas é economista formado pela UFMG, professor de História Econômica, tem MBA pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e foi vice-presidente da Caixa Econômica Federal e diretor da Casa da Moeda do Brasil.

Redação

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